quarta-feira, 21 de maio de 2008

MIRAGAIA - ORIGENS

Não se trata de insistir na origem portuguesa, que é óbvia, mas de informar-nos pouco mais sobre o nome de família que recebemos. Meu avô, José [de] Oliveira Miragaia, costumava contar-me longamente suas pesquisas a respeito das origens da família, mas sua memória era tão boa quanto sua imaginação, o que hoje percebo nas suas histórias, novelas. Um dia ainda farei um esforço para lembrar detalhes, mas nada me impede agora de ousar um fio das diversas fiadas que enovelou enquanto conversava. Era um velho enérgico e presente, tinha todas as idéias políticas, nascera para comandar e liderar, o que o fez sempre fascinante para o neto que se sentia querido por tornar-se seu interlocutor. Exclusivista, chamou-me muitas vezes a atenção por não lhe dar mais tempo ou estar pensando em "bobagens" quando tinha o que me contar. Nunca se conformou com meu carinho por minha avó, diferente dele porque muito calma e doce nas atitudes: quando chegava à varanda sobre o jardim e nos encontrava Emília sentava-se ao meu lado e dava-me as mãos, suavemente como tudo que fazia. O velho Juca desencadeava a tempestade, porque eu o devia ouvir sem distração. Eram ciúmes duplos, dela e meus. Tudo para voltar à história que em resumo dizia que o primeiro MIRAGAIA no Brasil teria seu nome tal qual, José [Joseph]. Oliveira e Miragaia teriam sido acrescentados depois. José era da cidade do Porto, vindo para a sesmaria de Itanhaém, dentro da Capitania de São Vicente, sob Martim Afonso de Souza [1532]. O velho Juca arriscou a idéia de que fosse um cristão novo [era prática naquela época em Portugal exportar os judeus para o Brasil ou para as Índias] que aqui tomara emprestado do promontório de Miragaia, com vista sobre o mar oceano e a cidade do Porto, seu nome novo, a que mais tarde adicionou-se também Oliveira. Pode ser, a história é boa e tem até algum fundamento no exame da história do povo eleito em Portugal [procurem "Histoire des Juifs Portugais"- por Carsten L. Wilke. - Éditions Chandeigne, Paris].

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Foi de fato um cristão novo, Fernão de Noronha [que deu nome às ilhas] que introduziu no começo do século XVI a cana de açúcar no Brasil. Essa cultura viria a transformar o território distante em importante produtor e um reforço para a economia portuguesa. Diogo Fernandes, da Ilha da Madeira, tornou-se já em 1550 um dos principais produtores da cana. Os esforços institucionais da coroa portuguesa para organizar o território e fazê-lo produtivo levaram à adoção do sistema de capitanias hereditárias, que eram um novo conceito pelo qual se tentou a ocupação ordenada, sob um capitão-mór, e dar sentido à exploração econômica. Martim Afonso de Souza recebeu a Capitania de São Vicente de onde surgiu São Paulo e nela instalaram-se diversas sesmarias, entre as quais a de Itanhaem, entregue a um sesmeiro, também cristão novo, que viera aparelhado de empregados, de administradores auxiliares, de viajantes ["homens de inda e vinda"] e um grupo de homens dispostos a "tocar o negócio". Entre tantos teria vindo Joseph, depois por sucessivos casamentos entre cristãos novos, Oliveira e Miragaia, todos do norte de Portugal, em particular da cidade do Porto. Era gente inventiva que deu vida a territórios virgens e descobriram os poros por onde o penetrar e produzir. Gilberto Freyre parece dar guarida à tese de que os nomes de família adotado pelos judeus no ato de "conversão" repetem denominações de topônimos e árvores ou culturas. Assim Oliveira e Miragaia. Miragaia, como se viu em links que procurarei incluir futuramente [vale a pena ver onde há "clips"], é uma Freguesia [um distrito] na cidade do Porto, cujo nome teria surgido da saga contra a ocupação moura da qual se retirou um extrato ultra-romântico como canção popular que Almeida Garrett imortalizou [leiam acima, é linda como lenda].

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GAIA é entretanto a divindade da Terra para os Gregos [Géia, de onde vem geo, prefixo de tantos nomes que se referem à Terra - geografia, geologia, etc], mulher de Urano, mãe dos Titãs e dos Cíclopes, Gaia é a base, a força e a alegria da vida. Mira, do verbo mirar, é vista, do verbo ver, sinônimo de mirar. MIRA+GAIA tem assim o sentido de VISTA ALEGRE [ainda mais forte será traduzir o nome composto por VISTA da TERRA]. Na foz do Douro está o promontório de MIRAGAIA que Camilo Castelo Branco cantou no final de seu romance "Amor de Perdição" [obrigatório para quem deseja conhecer a história do Romantismo literário em Portugal]. A Freguesia de Miragaia é um lugar bucólico de arquitetura portuguesa clássica, barroca e romântica à beira do rio Douro. Não muito longe encontra-se Vila Nova de Gaia, entreposto de vinhos do Porto, lugar aprazível de onde saíu a família do Conde do Itamaraty que veio a construir o Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, onde durante muitos anos funcionou o Ministério das Relações Exteriores e por metonímia deu nome à Diplomacia brasileira.
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Toda história pode ser ficção, mas não deixa de ter graça.
"Então, alguns, que atrai a vil conquista do só momento,
e ao mais fingem achar inútil,
erguem, num despeitado afã por seu fim fútil,
um teto de permeio a interceptar a vista".
[José Régio, um grande poeta português da primeira metade do século XX]
Se olharmos para trás e nada vermos, talvez barreira indevida tenha-nos impedido a imaginação. História é feita para contar não necessariamente para acreditar. Juca era imaginativo e fez de Birigüi sua conquista, viveu as festas de junho a espoucar foguetes, montou presépios e celebrou natais, enquanto na noite de São Silvestre ouvia a disputa entre corredores nas ruas de São Paulo com o rádio posto nas alturas, explodiu "champagnes" e fez da vida eterna festa. Não foi sempre linearmente assim, tinha rompantes de gênio e sabia comprar brigas. Sempre disputou com Getúlio a morte de Euclides. Era temperamental, ousado, disciplinador e indisciplinado. Um homem a quem se juntou a doce Emília, nossa avozinha suave.


(Enviado por Flávio)

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